quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

Um crime chamado saudade

Hoje eu me sentei num banco. Não sabia que o faria, mas, no fundo, eu tinha uma intimidade com ele, por isso o fiz. Nós nos sentamos nele há 4 meses atrás. Por isso ele me era tão familiar. Encontrei ele quando meu cigarro ainda estava na metade. Então decidi terminar ali mesmo, onde tudo começou. Sim, por que quem éramos nós há 4 meses atrás? Éramos dois meninos, aprendendo a viver e a brincar. Aliás, as brincadeiras por elas próprias eram nossas lições de vida. E no compasso do tempo, a vida ia impondo tarefas mais árduas. Embora sufocante, não se ausentava de nós - mas se atirava em nossos braços. Nessa entrega residia o desencontro, pois volta e meia isso me impedia que eu te abraçasse. E então essa ausência se fez habitual, nas duas últimas semanas. Eu simplesmente voltava a ser o que sempre fui... Novamente me desgosto. Esse jeito irritado, atrapalhado e perdido; a cabeça saía rolando facilmente. É fato que o amor me ensinara a ser mais gentil com o mundo e comigo mesmo. E por isso acho que devo tanto a você e ao seu carinho. No entanto, por mais que eu queira recompensar, existe uma vírgula que nos separa. Como dois nomes citados, onde a ordem não importa. Mas se me perguntassem meu nome hoje, eu diria vírgula. Sim, vírgula, ou simplesmente faria um silêncio breve antes de dizer Milton. Nunca fui fã de nome composto, mas acho que é um oportunidade para adotar um. , Milton. Sobrenome? Acho que não... Algumas vezes pensei adotar um pseudônimo, mas no caminho fiquei com medo de me perder. E se eu disser que sem ele estou perdido? Acho que eu queria mudar de sobrenome, embora eu saiba que "Quando eu tiver alguém que me ame muito, não precisa sobrenome, pois é o amor que faz o homem." Isso quer dizer que esse nome não é falso, emprestado, nem muito menos roubado. Isso significa que eu gostaria de me casar! Sim, foram planos como esse que sonhamos aqui neste banco. Alguns 4 meses parecem pouco, mas passou voando. E hoje somos adultos com um mundo cheio de problemas nas mãos. Pra complicar, boa parte desses problemas têm vida própria ou são gente. E o que somos nós, afinal? Seres que desejam se encontrar e se pertencer. Somos vítimas do caos que é a sequência do tempo, que nos sensibiliza e torna quase que insuportável o peso dos nossos defeitos mais leves. Veja, meu amor, nós não temos culpa. Aqui estivemos, aqui estaremos - sempre. Aquele momento no banco até parece morto. O lugar mudou tanto... Tantas pessoas se sentaram ali e deram tantas festas como nós demos, dois pobres que alugavam um banco de rua para juntar amigos, beber, fumar e ser feliz. Foi tanta coisa que se perguntarem ao banco, ele nada sabe, nada viu. Tudo está igual, mas está tão diferente... Por que o mundo mudou e me levou o gosto saboroso que tinha o amor. Fiquei sem mãos, sem pés, sem cabeça. Fui decomposto, parte a parte... E se perguntarem o que sobrou de mim, vou dizer: só lembranças. E se me perguntarem o que sou, devo dizer: não sei (mais). Me debruço diante de mim, e na rua vou a cada lugar que fomos juntos, cada memória que contenha você, e isso é o que me sustenta para te encontrar outra vez, por que... Até quando? Até quando, esse absurdo? Nos levaram um do outro e esse foi um crime que não sei se saberei perdoar. Por que mais que a própria morte, a saudade me mata; cada dia um pouco mais.

terça-feira, 29 de dezembro de 2009

Migalhas de luz

Recife reluzia como há muito eu não via. Enquanto eu atravessava uma ponte, eu via a margem contornando a água, se expandindo, pouco a pouco, torneando cada curva de onda, até a outra margem. A luz que havia era a luz da noite - Era noite. Havia uma lua, cheia, no céu. Além dela, a cidade também relampejava, desde os edifícios mais distantes até os que eu chegaria em instantes. Cada poste era uma migalha deixada do caminho que eu seguia. Além disso, era Natal. A cidade estava muito bonita, com suas praças e avenidas. Eu tinha vontade de chorar vendo o Recife assim. O Natal sempre me deu um nó na garganta, mas tudo estava especial como nunca. Ao chegar à Ilha do Recife, entrei numa das ruas que pra mim é uma das mais conhecidas. Estranho que àquela hora não tinha ninguém... Mas sentei-me por ali. Há anos eu ia àquele lugar, dia e noite. Frequentava também sorrisos e corações. E sempre que eu chegava em casa eu tinha uma espécie de regozijo, de prazer automático. Era a sensação que o dia havia passado e a missão, cumprida. Tudo brilhava, brilhava, até meus olhos marejarem também. Eu estava só. Então me levantei e comecei a seguir as luzes. A única solução para minha escuridão, era seguir as luzes. Ia seguindo-as, como quem - novamente - segue as migalhas para um local determinado. Eu poderia andar de olhos fechados por aquelas ruas, mas dentro do meu coração eu não me sintonizava direito, não me encontrava. Os caminhos eram escuros e eu não conseguia ver além... Não doía, mas me dava medo. Medo de que eu pudesse encontrar além. Eu só precisava de uma luz para poder seguir. Alguém roubara as lâmpadas da minha casa. E eu acordava, todas as manhãs, e ainda assim era noite.
De migalha em migalha, fui prosseguindo. Migalhas... Essa palavra é engraçada. Quase me sentindo João e Maria, fui lembrando de tudo o que vivi. Tantas pessoas passaram por mim e só contribuíram para que eu me encerrasse, cada vez mais, em mim. Frequentemente, vendo o jornal, eu tinha vontade de chorar, e não entendia como o mundo podia ser tão cruel - como as pessoas podiam ser tão cruéis, umas com as outras. É muito triste ver quantas pessoas ficaram pra trás, quantos planos foram destruídos... Fui me acostumando com migalhas. E ainda assim, algum propósito levou-me até ali. E quando tudo se fez cinza, alguém me ajudou a acreditar que nem tudo estava perdido. Foi tudo tão difícil, mas alguém mostrou que podia ser fácil, e eu passei a me acostumar com o muito. De repente, eu me senti, desta vez, João sem Maria, e eu seguia as poucas pistas que ela me dera. Um futuro nebuloso estava ali. Meu alicerce eram o que as ruas de Recife me davam de alimento. Me faziam recordar dos momentos que passamos ali juntos - rindo, falando, brigando, chorando, nos amando... Faz somente uma semana que você partiu, mas me deixou uma saudade imensa. Uma saudade tão grande que tudo escureceu. Talvez essa seja única parte chata de amar. Às vezes eu imagino a gente bem velhinho. Quem vai morrer primeiro? Quem vai sofrer primeiro? E quando um de nós partir, será que haverá um recomeço - mesmo sem o outro?
Só quero que saiba que estou lutando para recomeçar mais um ano. Este ano me deu você, espero que não tire de mim também. Porque estou esperando você voltar: aqui, nestes lugares que nossas memórias permeiam. Sempre que eu olhar o mundo, ele trará uma lembrança sua. E onde quer que você esteja, sei que essas migalhas estarão me levando até você. Por favor, me espera! Lembrei então de uma virada de ano que passei... Eu corria pela praia desesperadamente, procurando alguém. Eu ia para um lado, e entre uma pessoa e outra nenhum conhecido. Até que deu meia noite; os fogos começaram, as pessoas gritavam, brindavam, se abraçavam; ainda choravam e felicitavam-se por mais um ano de vida. E eu estava só. Minha única reação foi encostar num carro e olhar para os fogos de artifício. Ali, acho que nem rezar eu consegui. Eu só queria ter alguém para abraçar. Ah, se você existisse nessa época... Eu teria uma estrela pra me apegar, e arrancar esperanças de algum lugar. Mas passou e eu consegui. Vim te seguindo até aqui, mesmo sem saber. Se você não estiver vindo pelas minhas pistas, saiba que eu estou indo pelas suas. Espero que possamos passar juntos esta virada de década. E se não estivermos, saiba que eu estarei encostado em um carro, olhando uma estrela, numa noite como esta. E novamente estarei desejando te abraçar. Eu te amo, Maria. João.

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Agora eu sei

O primeiro amor doeu. O segundo, o terceiro... Também. No fim das contas achei que nunca tivesse amado nada. Pra mim foi uma surpresa descobrir que o amor pode ser alegre e feliz - e somente o é assim. Há quem passe a vida se enganando, mas quem ama verdadeiramente não precisa de grandes gestos ou de uma euforia a cada hora, muito menos da dolorosa concepção de amar.
Me lembro que algumas vezes sofri por alguém. Hoje isso me parece engraçado, pois nem mesmo no sofrimento fui correspondido. No fim das contas, cheguei a conclusão mais simples de todas, embora a mais complexa de se aceitar: o amor só acontece quando há correspondência; seja por um gesto, uma palavra, um olhar, um sorriso... Agora eu sei a resposta, mas o que mais me machucava era o fato de que, antes mesmo de sofrer, eu já sabia que iria sofrer, por que eu já sentia que aquela pessoa não servia pra mim (ou eu não servia pra ela). Enfim, eu já sabia que não ia dar certo. Premonitoriamente, lá estava eu sofrendo. Estava antecipado, mas era o meu jeito de me sentir menos triste na separação definitiva. É muito triste um relacionamento que termina. Só de pensar em um casal que eu nunca vi na vida terminando, fico sentido. Faz sentido, uma vez que pra mim não tinha dado certo, pelo menos até agora.
Isso me faz lembrar quando as coisas não vão bem. É meio impossível tudo ir sempre às mil maravilhas. Estou falando de brigas... Não são agradáveis de lembrar, mas nos fazem crescer. Afinal, o que as motiva é o amor. A gente briga pra defender o que é nosso. O amor ou o ego - não importa. Não sou do tipo de ter orgulho, por isso cedo; pra mim o que importa é vê-lo sorrir.
Da última vez, lembro que seu olhar contemplava o chão. Eu estava em pé, próximo a rua. A cidade respirava toda aquela ansiedade, pois tudo estava tenso. Depois do pedido de desculpas, eu ofereci uma carona. Ele não quis; eu insisti. Insisti várias vezes... O sol batia no meu rosto e em sua nuca... Era quase uma cena de filme nas calçadas do Recife. Recife é muito poético, por isso amo-o também. E amava ainda mais, pois ele estava aqui em Recife. Podia ser João Pessoa. Rio de Janeiro, Buenos Aires, Bangladesh... Mas não, ele estava ali, por algum motivo. Eu só queria ficar bem, mas nele ainda residia o orgulho. Foi então que me deixei levar, e me despedi. Enquanto ia em direção ao carro, pensava naquela tristeza que me consumiria durante o dia inteiro que ainda estava por vir. E a única coisa por que eu esperava é que ele me telefonasse em algum momento; momento este que eu não saberia se viria, ou que, por mais ligeiro que viesse, na minha dor, seria a eternidade. Nós dois erramos, nós dois pecamos. Mas o pecado maior era negar tudo aquilo que éramos - e, já adiantando, ainda somos e seremos. Ele ligaria, mas e se não ligasse? Uma hora vai passar... E se não passar? E se foi o limite? Ali poderia ser o fim... Mas eu não sabia que o amor era sem limites. Foi quando tudo mudou: ao chegar no carro, senti um vulto vindo por atrás de mim. Era ele voltando, era ele sorrindo: era o amor. E eu pude sentir que a felicidade estava voltando para casa. Eu sabia, embora que o medo de perder permita que eu me perca: ele estava me amando, e eu amando ele também.
Eu sei que doeu, mas eu sei que tudo melhora. E agora, eu sei que o diálogo é o que rege o tudo. E o silêncio, que rege o diálogo. E o tédio é só uma história mal contada. O agora está cada vez mais único. Agora eu entendo muita coisa, embora não entenda outras. Contudo, mais do que nunca, agora eu sei mais. Sei que sou feliz, sei que sou amigo, sei que sou eu; sei que tenho força, sei que posso forçar, se eu querer, ou se for querido; sei que posso mudar, que posso ser mudado; sei que tudo acontece, sei que posso amar - da forma certa - e que posso ser amado. Sei que me perdi, mas, agora, sei que me encontrei. Quando tive consciência disso - agora - tudo começou a acontecer da forma que eu sempre quis. Agora eu sei que tudo está realmente acontecendo. Agora eu sei que você existe; agora eu sei que o amor existe - e que ele mora em nós.

sábado, 17 de outubro de 2009

Brigas

A raiva passou.
Depois vem a falta,
A imensa falta,
Que você me faz.

Você duvidou,
Questionou meu querer,
Meu bem querer,
Abalou nossa paz.

Você me julga
Por um segundo
Pequeno segundo,
Que não pude estar.

Você me culpa
Por causa do mundo
Os erros do mundo
Não me quer mais.

Você sabe,
Você entende bem
Que sou eu
Quem mais o quer bem.
Mas inverteu,
Você duvida
Da minha resposta,
E complica
A minha proposta,
Diz que fui eu
Quem esqueceu.

Se você foi,
Foi pois queria,
Por que eu também queria
O seu convite.

Se você foi
E é só tristeza,
É nossa tristeza,
Também estou triste.

... Por que não volta?
Aquela alegria,
A nossa alegria,
Ainda existe.

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Depois do sono

Acordei me sentindo meio idiota, hoje. Abri os olhos de uma forma estranha, engoli seco e senti uma sensação que eu já conhecia. Tenho facilidade de me sentir idiota. Mas fazia tempo que eu não sentia isso. Tudo anda maravilhosamente bem. Ontem eu bebi até pouco, dormi cedo... Mas acordei assim, meio sem mim, meio faltando um pedaço e com vontade de me encontrar. Estava atrasado pra variar, mas nem corri. Meus pés ainda doíam da noite anterior. Tomei um banho qualquer, um café com um gosto qualquer... Queria que chegasse logo o fim de semana e poder ficar mais a vontade no travesseiro, na cama. Mais sem pressa... Mas sabe, correr às vezes é bom, principalmente agora, mas esse nervosismo não me deixa muito nervoso - pelo contrário, fico no marasmo. Peguei a agenda e fui ver o que eu tinha pra fazer naquele dia: odeio quando não lembro as coisas. Não tem nada a ver com nada, mas eu preciso deixar isso bem claro. Minha memória anda muito fraca e, por vezes, também temo enfraquecer. O dia é repleto de coisas vazias; pegar ônibus, chegar, escrever, cumprimentar, digitar, comunicar (parcialmente), calar, assistir, sair... Quando chegar em casa estarei mais caco do que já estou, talvez faltando mais um pedaço. Sorri ao lembrar - sem precisar da agenda - que você chega amanhã. Fiquei tão feliz, duplamente. Eu estaria mais radiante e eu ainda tinha capacidade de me recordar. É, eu lembro... E ficaria muito triste se eu não o pudesse. O esquecimento de todo seria uma falsa salvação. Me lembrar de você me faz sorrir, me faz sentir uma solidão que me faz bem. Hoje li que para existir a mais perfeita solidão é preciso achar a companhia ideal. E acho que é por isso que ultimamente o mundo me soa tão falso e eu tenho me excluído dele. Ando distante de tudo e todos, mas ando pensando muito. E, quanto mais dentro de mim, vejo retratos seus e decoro o meu quarto com flores, ouço discos de vinil e acendo velas. Lembro datas, oportunidades, compromissos, risos, lágrimas. Lembro de você, principalmente, pois lembro sempre que tenho um coração. O coração é tão rápido e tão constante que na pressa a gente não o sente bater. E confesso que não gosto de perceber os batimentos - dá a impressão que eu vou morrer; na verdade, acho que significa que estou vivendo demais. Lembro, lembro o tempo todo. Você não sai da minha cabeça, como jamais alguém conseguiu entrar nela.
Eu certamente me lembrei, mas a agenda ajudaria. Não, não estava programado para a gente se ver hoje. Só amanhã, quando você fosse chegar de viagem. Acho que é por isso estou assim... Ainda faltava um dia inteiro, que me obrigaria a atravessá-lo sem me queixar. Mas como ia doer... Eu lembrava. E por isso esquecia... Sua lembrança é tão grande, me consome - eu esquecia o resto. O que era o resto? Só lembrava que queria que chegasse amanhã. E eu mal tinha começado a esperar. E o dia mal tinha começado.

sábado, 2 de maio de 2009

Foi tudo verdade

A minha mão estava próxima a dela. Minha mão, cansada, repousava sobre um de meus joelhos, o qual estava mais próximo dela. A dela, por sua vez, estava apoiada sobre um de seus joelhos, o qual estava mais próximo de mim. Poderiamos ter nos dado estas mãos, mas preferimos estar um pouco mais livre. O momento necessitava de um pouco de liberdade, até para poder sofrer menos e ter chance de entender melhor. Cada mão portava um cigarro; minha fumaça indo nela, a dela vindo a mim. O calor soprava e eu já sentia que era hora de ir pra casa. Já tinha vivido demais para um dia só. E ela também. No fim da noite, já não havia muito mais o que fazer; as poucas pessoas que ainda restavam por ali passavam longe e voltavam para suas casas, satisfeitos de si e do mundo. Ou quem sabe assim, da mesma forma que nós. Confesso que a preguiça me dominava um tanto - ou eu gosto de sofrer - e permanecemos ali no banco sem coragem de ir viver. Ela também não parecia muito disposta... Podia esbarrar com alguém, sem querer, logo adiante. Esse é o risco. Quando se anda pelas ruas, quando se vai às festas, quando se vai à praia, quando se entra no ônibus, quando se olha pela janela... A pergunta era: e se ele passar? - Ela sentiria aquele mesmo frio; aquela mesma fraqueza nas pernas, o mesmo tremor no coração. Uma manifestação tão grande que ia parecer que tudo permanecia igual a antes. É difícil pra quem sente... Dá vontade de se esconder, as palavras somem, a alma pesa; é como um terremoto submerso dentro de si. E a pergunta seguinte, mais emocional possível, diria: quando vai passar? Quando? Ela também não saberia responder, e eu tão aprendiz quanto, também não conseguia entender tal lógica, nem o sentimento que nos manteve tanto tempo longe da paz - da nossa paz. O que nos faz escravo de um sentimento? Ah, se houvesse ao menos arrependimento. Mas nem há. Tudo valeu a pena, tudo foi tão lindo... Mas acabou; acabou e não deixou nem pista de que existiu. E quando tudo parece mais ou menos sob controle, um simples trocar de olhares de dois "conhecidos" que se cruzam por aí, desestabilizam, destroem o peito. E a gente vê que não foi nem voltou pra lugar algum: o mesmo lugar, o mesmo sentimento. Não, era melhor ficar ali a noite inteira; deveriamos dormir ali e aguardar até o dia nascer, seria mais seguro. Mas ali, naquela escuridão, seria arriscado demais. Nossos pares poderiam estar por aí, e quem sabe até andando juntos. E qualquer motivo seria o da tristeza, de ver que agora estamos sozinhos, que amamos sozinhos. E quem se ama - está feliz; está por aí tão feliz que pode até nos cumprimentar pela rua: como se nada tivesse acontecido. Ah, minha amiga, só a gente sabe... Quem me dera tudo ter sido uma ilusão. A culpa seria nossa e nossa indignação caberia apenas a nós mesmo. Mas não, foi tudo verdade. Cada dia, cada hora, cada instante que não existe mais. Nem há mais nada a ser dito, mas nossa pele respirando nos entrega, desnudos na multidão, que um dia ainda nos resolveremos. E até lá só nos resta chorar... Quem me dera esse conto fosse apenas uma história. Mas não, foi tudo verdade.

quinta-feira, 23 de abril de 2009

Dia nacional do choro

Eu já senti isso antes. Tenho certeza que eu já senti isso antes. É uma vontade esquisita do peito se rompendo e os olhos em seguida se enchendo de lágrimas. Mas de costume, alguma coisa aqui dentro - ao passo que quer explodir - enormemente se assusta, se encolhendo. E por fim aprendi a ter os olhos secos; apenas o suficiente para continuarem a enxergar. Mas chorar, não; jamais chorar, ainda mais na frente dos estranhos. Logo mais cedo, eu lia um cartaz no qual estava escrito: Dia 23 de abril - Dia nacional do Choro. Haveria um dia especial para se chorar? Talvez houvesse uma reunião onde todos iriam, calados e tristonhos, cada um no seu assento... chorar. Imagineium grande auditório no qual não se debatiam nem se questionava nada. Na conturbação do mundo, aquele era um momento incrível. Veja só, você poderia chorar e ninguém ia ligar. Você teria um tempo pra sofrer - em paz. Seria fabuloso! Isso porque é normal sorrir, exprimir a felicidade e os desejos que contemplem todo o mundo. Mas quem quer chorar, nem sempre é bem compreendido - apesar de serem justamente aqueles que carecem um pouco mais de compreensão. Ainda mais estando na minha pele: homem. Não, homem não chora. Homem que é homem, não chora, devora todas (isso mesmo, beleza não interessa) as menininhas, fala palavrão, bebe sem passar mal e usa um vocabulário próprio com os companheiros de masculinidade. Alguma pessoa inventou que homem é sempre forte, que não tem medo, que é a coragem personificada e tem sempre a decisão pronta a tomar, bem como a razão para estar certo em aplicá-la. Algum(a) infeliz inventou que homem de verdade é assim. Alguém sugeriu um disparate e a passividade da sociedade aceitou. Contra isso, eu posso até ser, mas não me manifesto mais. O mundo todo é assim, queira bem ou mal. E já que é pra viver, tenho que me acostumar com isso.
Hoje me deu certa tristeza; e o que mais me irritou nela foi a gratuidade e a justificativa muito pouco ou nada aceitável, ainda mais me conhecendo como sou e aceitando os conceitos que eu considero certos. E sou bem assim, gosto do que gosto, penso o que penso, e há muito tempo aprendi a me contentar com esse estado de existir. Confesso que não é fácil. É o extremo oposto. Mesmo estando bem, tem certos momentos que me canso de tanta incoerência. E, na maioria das vezes, isso acaba por me entristecer. Não dá pra agradar todo mundo, eu sei. Mas quando existe o não-gostar gratuito, pelo menos há uma postura neutra ou ao menos educada para tratar alguém de que não se gosta. É claro que já senti isso, mas hajo assim. Não que eu esteja fingindo, até por conta que sou sempre transparente quanto a meus sentimentos. (Coisa aversa aos homens, vale ressaltar). Mas tento ser paciente e compreensivo comigo mesmo e com o outro, para talvez quem sabe mudar de opinião. Opiniões mudam, assim como vontades, necessidades, ideias... E por aí vai. Tudo bem, você não gosta de mim. Não há problema nisso... Mas hoje eu me senti vulnerável e especialmente detestado, porque fui tratado com claro repúdio e desinteresse. Não foi preciso de muito não... Eu simplesmente fui ignorado. Enquanto falava, me interromperam de forma brutal por um assunto qualquer, típico dos que se falam quando o silêncio torna-se mais mortal e tenso. E não foi uma simples interrupção, e sim uma cortada literal... As pessoas têm tato, e até absurdo tanta pretensão agir assim e querer passar despercebido. Tive raiva, tive tristeza... Mas não consegui ser indiferente. Seria o melhor pra mim no momento, como geralmente consigo ser. Mas ser assim também tem um preço. Uma vez eu li que "mais vale a vergonha do que a indiferença". Acho que penso mais ou menos dessa forma. Fazia tempo que não me sentia tão escanteado e minimizado; lembrou-me um pouco da infância, da qual tenho mais recordações ruins que boas. Uma criança "diferente", eu era. O que merece? Passar vergonha. Até valia... Mas indiferença é o pior sentimento que um ser humano é capaz de sentir por outro. É em horas como essa que eu tenho vergonha de ser quem sou. Sei que ser assim tem seu preço. Mas deve ser tão caro assim? E com que moeda eu pago? Qual é o dinheiro da vida? Ainda assim poderia ser bem pior - eu podia ser indiferente comigo mesmo. Quem sabe eu estivesse morto, assim. Mas isso é bom; alguém ainda se importa comigo! Mas não, nunca é fácil.
Cheguei ao auditório... Apresentavam-se músicos homengeando Pixinguinha, grande compositor de choro, que aniversariava nesta data antes de sua morte. Ali só havia alegria ao recordar o músico. Achei até graça da minha imaginação que fora tão longe e imaginara tão além... Me sentei em uma cadeira, apoiando a cabeça na parede. Faltavam só algumas horas para eu ser destratado. Mas isso não queria dizer que eu estaria mais ou menos cansado. Eu só queria chorar... Cada cavaquinho, cada violão vibravam suas cordas chorosas, que emitiam gruninhos musicais que no fundo não eram nada: apenas um choro. Era o pranto de alguém, que de tanto chorar só restara aquele modo de aliviar a dor. Viver doía, e o dia a dia consumia tudo isso e mais eu queria desaparecer. Ah, como seria feliz se eu pudesse chorar... Mas até de esperar isso eu já me cansei. E ainda terei tanto aborrecimento pra me abater, tanta estrada torta pra percorrer e queda pra me reerguer. Depois passa, amanhã já terei outras forças, serei forte. Já chega, por hoje já chega. Se não tenho direito ao choro, me deixem dormir. É o meu modo de escapar.