terça-feira, 29 de dezembro de 2009

Migalhas de luz

Recife reluzia como há muito eu não via. Enquanto eu atravessava uma ponte, eu via a margem contornando a água, se expandindo, pouco a pouco, torneando cada curva de onda, até a outra margem. A luz que havia era a luz da noite - Era noite. Havia uma lua, cheia, no céu. Além dela, a cidade também relampejava, desde os edifícios mais distantes até os que eu chegaria em instantes. Cada poste era uma migalha deixada do caminho que eu seguia. Além disso, era Natal. A cidade estava muito bonita, com suas praças e avenidas. Eu tinha vontade de chorar vendo o Recife assim. O Natal sempre me deu um nó na garganta, mas tudo estava especial como nunca. Ao chegar à Ilha do Recife, entrei numa das ruas que pra mim é uma das mais conhecidas. Estranho que àquela hora não tinha ninguém... Mas sentei-me por ali. Há anos eu ia àquele lugar, dia e noite. Frequentava também sorrisos e corações. E sempre que eu chegava em casa eu tinha uma espécie de regozijo, de prazer automático. Era a sensação que o dia havia passado e a missão, cumprida. Tudo brilhava, brilhava, até meus olhos marejarem também. Eu estava só. Então me levantei e comecei a seguir as luzes. A única solução para minha escuridão, era seguir as luzes. Ia seguindo-as, como quem - novamente - segue as migalhas para um local determinado. Eu poderia andar de olhos fechados por aquelas ruas, mas dentro do meu coração eu não me sintonizava direito, não me encontrava. Os caminhos eram escuros e eu não conseguia ver além... Não doía, mas me dava medo. Medo de que eu pudesse encontrar além. Eu só precisava de uma luz para poder seguir. Alguém roubara as lâmpadas da minha casa. E eu acordava, todas as manhãs, e ainda assim era noite.
De migalha em migalha, fui prosseguindo. Migalhas... Essa palavra é engraçada. Quase me sentindo João e Maria, fui lembrando de tudo o que vivi. Tantas pessoas passaram por mim e só contribuíram para que eu me encerrasse, cada vez mais, em mim. Frequentemente, vendo o jornal, eu tinha vontade de chorar, e não entendia como o mundo podia ser tão cruel - como as pessoas podiam ser tão cruéis, umas com as outras. É muito triste ver quantas pessoas ficaram pra trás, quantos planos foram destruídos... Fui me acostumando com migalhas. E ainda assim, algum propósito levou-me até ali. E quando tudo se fez cinza, alguém me ajudou a acreditar que nem tudo estava perdido. Foi tudo tão difícil, mas alguém mostrou que podia ser fácil, e eu passei a me acostumar com o muito. De repente, eu me senti, desta vez, João sem Maria, e eu seguia as poucas pistas que ela me dera. Um futuro nebuloso estava ali. Meu alicerce eram o que as ruas de Recife me davam de alimento. Me faziam recordar dos momentos que passamos ali juntos - rindo, falando, brigando, chorando, nos amando... Faz somente uma semana que você partiu, mas me deixou uma saudade imensa. Uma saudade tão grande que tudo escureceu. Talvez essa seja única parte chata de amar. Às vezes eu imagino a gente bem velhinho. Quem vai morrer primeiro? Quem vai sofrer primeiro? E quando um de nós partir, será que haverá um recomeço - mesmo sem o outro?
Só quero que saiba que estou lutando para recomeçar mais um ano. Este ano me deu você, espero que não tire de mim também. Porque estou esperando você voltar: aqui, nestes lugares que nossas memórias permeiam. Sempre que eu olhar o mundo, ele trará uma lembrança sua. E onde quer que você esteja, sei que essas migalhas estarão me levando até você. Por favor, me espera! Lembrei então de uma virada de ano que passei... Eu corria pela praia desesperadamente, procurando alguém. Eu ia para um lado, e entre uma pessoa e outra nenhum conhecido. Até que deu meia noite; os fogos começaram, as pessoas gritavam, brindavam, se abraçavam; ainda choravam e felicitavam-se por mais um ano de vida. E eu estava só. Minha única reação foi encostar num carro e olhar para os fogos de artifício. Ali, acho que nem rezar eu consegui. Eu só queria ter alguém para abraçar. Ah, se você existisse nessa época... Eu teria uma estrela pra me apegar, e arrancar esperanças de algum lugar. Mas passou e eu consegui. Vim te seguindo até aqui, mesmo sem saber. Se você não estiver vindo pelas minhas pistas, saiba que eu estou indo pelas suas. Espero que possamos passar juntos esta virada de década. E se não estivermos, saiba que eu estarei encostado em um carro, olhando uma estrela, numa noite como esta. E novamente estarei desejando te abraçar. Eu te amo, Maria. João.

Um comentário:

Daniela Falcone disse...

que lindo. tão... lindo. nem tenho outra palavra. adorei.