terça-feira, 27 de janeiro de 2009

Fazendo moda

Você trocou de roupa;
Usa sempre o que é próprio
Pra ser belo e bom,
Pra se tornar notório,
Não a mim
Mas a todo o resto.

Assim tão lindo
Posso até sentir vergonha
De você perto de mim.
Além do que,
Não me deixo esquecer
Que talvez agora
Você não esteja muito afim.

Na verdade
Ainda me dói
Toda essa realidade,
Mas já deixei de me importar;
O que não me destrói,
Me faz petrificar.

Estanquei aqui
Vendo que você vai partir;
Um beijo, me dê,
Como se fosse
Um verdadeiro apelo
Ao meu primeiro último.

E foi, você passou
Como se não houvesse nada;
E aí, O que restou
Não foi nenhuma novidade;
Você não é o primeiro
A aderir ao seu bom gosto
A ausência da minha parte
E o meu adeus costumeiro.

Ah, meu bem!
Você que é tão antenado
Nem se deu conta...
Você muito se enganou
Se pensa assim;
Você está desatualizado,
Pois há muito já se tornou
Moda esquecer de mim.

sábado, 24 de janeiro de 2009

Aparentes semelhanças

As cerâmicas já sentiam os passos se apressarem e ficarem mais pesados. O estresse era circular; percorria, percorria sob si o mesmo espaço, pesadamente. Até que se cansou e saiu disparado pela tangente em uma reta até chegar à cozinha. Já com a xícara na mão, puxou o banquinho com força e se sentou nervosamente, acomodando o traseiro ossudo na parte mais fofa do assento. Esquecera que precisava da água, e também do pó para fazer café. Nestas horas, qualquer acontecimento imprevisto tinha o potencial de elevar o descompasso à quadragésima potência, por mais óbvio que fosse. Ferveu mais ou menos uma vasilha com 4 dedos de água... Enquanto a vasilha girava no interior do eletrodoméstico, ele corria pro lado e pro outro quase na mesma rapidez, sem lembrar onde guardara o filtro do coador. A memória estava péssima... Mas em algum lugar lembrava-se que tinha em algum lugar da cabeça uma vaga lembrança de que não esquecera de comprar filtro de coador de café no supermercado; como da vez passada, que teve que bater na porta de Dona Marlene para pedir um filtro de papel. Dona Marlene é uma vizinha muito solícita, não se nega a nada. Mas da ultima vez que dormiram juntos – não, ela não se nega a nada – ela falou que viajaria a trabalho por uma semana. Provavelmente se tivesse que bater lá, a porta se abriria revelando um velho gordo, com o bucho pendurado sobre o pinto, usando uma samba canção que fedia, munido de um pote de biscoitos sem recheio em uma mão e um controle remoto na outra. Com a cara mais carrancuda, como quem passou muitas noites em claro trabalhando e foi interrompido durante um cochilo, responderia com dois biscoitos ainda sendo mastigados que Marlene viajara e volta não sei quando, e que ele não sabe onde ela guarda o filtro de coador de café descartável. Não, não precisava daquela cena desprezível. (Dona) Marlene não estava, era fato, mas o coador não se tinha certeza. A cabeça às vezes prega uma peça... O coador era muito mais importante que Marlene, mas não procurou entender porque ela (a droga da cabeça) resolvera lembrar de Marlene e de sua casa com cheio de cachorro molhado, enquanto um mísero pacote de filtros descartáveis para coar café, pague 8, leve 9, não era encontrado naquela cozinha minúscula. Ah, achou! A água tombou sobre o pó e o refrescou, sem pena. O café saia fácil, mas ele tinha pressa. Antes de terminar tudo voltou pro banquinho, desta vez com a xícara pela metade. Abriu um vidro fosco trabalhado, da tampa xadrez rosa e amarelo, que herdara de alguma tia já morta, onde lia-se no rótulo açúcar, e com uma paciência descomunal atolava várias colheres cheias de açúcar, como numa criança que se recusava a comer e exigia uma atitude enérgica – ou desesperada – da mãe, ou como quem obriga um grosseirão como o senhor... Seu... É, o corno, marido de Marlene, a ser menos nojento e mais delicado, como o doce ou o próprio pote. Mexeu tudo com força e com pressa... Sabia que só ia passar quando tomasse um café, quando sentisse o morno escorrer pelas paredes do esôfago, acalmando tudo, aparando tudo. Bebeu aquele café doce demais, como quem bebe garapa quente no sol do Saara. Bebeu, bebeu. Fazia constantemente os movimentos de sobe e desce da xícara até não restar nada. Sossegou um minuto, dois, quatro, sete, dez... Novamente sentiu aquela agonia inoportuna que geralmente sentia, que percorria entre os músculos e a pele, sem entrar, nem sair. Sentia muita sede e uma ânsia inexplicável de comer doces; doces, muitos doces, de todos os tipos. Se segurou por um tempo. Depois num surto repentino mandou à merda os avós e bisavós (os oito) que haviam morrido de diabetes ou com hiperglicosagem; numa tijela colocou todos os chocolates que encontrara pela casa. Comera todos em questão de um minuto. Atirou a vasilha no chão, e voltou-se novamente para o vidro cafona de açúcar. A vontade que deu foi de abrir o vidro e despejar tudo na boca, engolir tudo, como quem bebe, num único gole, sem nem mastigar. E o fez... Os grãos eram felizes enquanto caiam como se fosse purpurina reluzindo na pouca luz da cozinha. Grande parte caia pelos cantos da boca e invadiam o piso da cozinha, e entravam por buracos, frestas do pijama. Aquele homem era um açúcar vivo. E como se não bastasse correra aos berros, com a boca cheia, como o insolente vizinho corno, até a portinhola que guarda o liquidificador. Despejara no recipiente: o resto do açúcar do pote (e da boca), biscoitos velhos, mel, um resto de rapadura, geléia de damasco, pastilha de morango, polpa de tamarindo, chantilly, sorvete napolitano, leite condensado, laranja mimo do céu, iogurte de ameixa, granola, ovomaltine, leite em pó e doce de banana que a tia mandara do interior; antes amassou bem tudo com uma colher de pau, e bateu. As lâminas do liquidificador não poderiam resistir a tanta doçura. Mas seria a vida assim tão poderosa com nossa delicadeza? Quando não há quem vença, Deus joga um ou dois copo de água pra dizer quem manda. Ele queria brincar de Deus. A água desceu escorrendo em um redemoinho e tudo virou uma pasta rala de cor marrom claro. Aos prantos, puxou o copo com o equipamento ainda funcionando e tomou, tomou tudo. Tomava, e ao mesmo tempo se banhava. A papa lhe escorria pela camisa do pijama, até se engasgar sufocado com o nariz imerso na solução. Suspendeu e derramou na boca a distância, até começar a errar a mira e acertar os olhos, a testa e os cabelos. Nesta agonia jogou o copo longe, e enterrou as mãos no cabelo que já passara da hora de cortar. A moita tornou-se uma sombra marrom, úmida ao mesmo tempo que fixa. Descendo, levou as mãos ao rosto e trazendo o que restara de sua invenção de sobremesa para o resto do corpo. O mais gozado de tudo, é que toda a agonia nem passou. As pernas esticavam-se involuntariamente, como se se precipitassem numa cãimbra proporcionada pela angústia de viver. Era tudo involuntário: aquela obsessão, os pensamentos, os sentimentos, o desespero... Só era possível sentir, e em algum momento toda a fachada ia ter que cair. Agora sim! Eis alguém doce; um rapaz doce e encantador, com quem poderiam simpatizar. Ninguém sabe de nada! A loucura era necessária pra viver. É normal – para os loucos. E todos acham que sabem tudo. Quero ver ser quem ele é, quando se está assim só. Na verdade, é sempre, mas às vezes a ilusão permite a sensação que dá pra sufocar na multidão – Pelos céus, deveria haver alguém em liberdade que fosse igual a mim! Que me compreendesse minha insanidade sem levá-la de maneira tão analítica e medicinal. O sal da lágrima era só o contraste, o toque; um tempero. Ah, todas as pessoas se parecem umas com as outras; umas em algumas coisas, outras com tantas outras, em tantas outras coisas. No entanto, isso não quer dizer que elas andam juntas ou estão sincronizadas. Um coração jamais baterá como outros, nenhuma cabeça entenderá e verá o mundo como outra. A semelhança também representa diferença... Ou talvez seja o mais diferente de todas as disparidades que há. A igualdade é o princípio a tornar as pessoas tão diferentes, tão desincronizadas, tão demais: alegres demais, tristes demais, decepcionadas demais, insuportáveis demais... Grosseiras, fúteis demais; doces demais. Sofro a mim, mas haja o que houver, mundo ainda é mundo. E se moro nele em algum momento vou ter que permitir-me vivê-lo. Só não me peça pra sofrer menos – não há escolha. É apenas meu jeito de destoar do mundo e de me adequar a ele de vez em quando.

quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

Tempo de amar

"Hoje eu saio
Para comemorar.
Saio sem ensaio,
Da forma que estou,
Sem medo de quem sou
Ou do que vão pensar.

Quero olhar em cada rosto
e dizer com um sorriso
Que não tenho nada pra falar,
Que não quero beijo alheio ou encosto,
Nem competir comigo,
Ou mesmo me desanimar.

Dá-me uma bebida, amigo,
Ou um trago do teu cigarro;
Quero me divertir contigo.
Hoje ninguém impedirá.
Estou feliz, de fato
e quero comemorar.

O motivo
Todos podem ver.
Hoje eu sou só eu,
É em mim que confio.
Se tu vieres, vais perceber
Que algo bom aconteceu.

A vida me presenteou,
Por isso vou celebrar.
Esqueci o que passou;
Agora tenho coragem,
Só resta saber se tens vontade
De repartir desse amar.

Pois é, agora eu amo
A mim e a alguém.
Segura minha mão, amigo,
Comemora comigo!
Só não me seja muito atento;
Ele pode se importar.
Se não vieres, enfim,
Eu compreendo,
Mas vou mesmo assim.
É tempo de amar,
Não preciso de mais ninguém!
Agora existe um bem
Que em casa me espera voltar."

terça-feira, 13 de janeiro de 2009

Febre de Terça-Feira.

Nestes últimos dias ando com o corpo cansado, com a cabeça carregada; o semblante arrebatado de lágrimas exaustas. Tudo desanda; o quarto fora de ordem, cheio de pontas de cigarro, letras de canções, frases de pessoas célebres e poemas inacabados por toda parte. Roupas amontoadas, a cama desfeita há tanto tempo... Passava a maior parte do tempo deitado. Hoje me levantei um pouco melhor. Ainda que com a leve sombra que algo não ia bem. Joguei um pouco de água no rosto, os olhos vermelhos e as pálpebras pesavam, e tudo se tornava pouco a pouco mais claro, dia após dia. Voltei para o quarto sem nada mencionar e me deitei mais uma vez. Minhas costas doíam de tanto tempo sentado e deitado. Estava sedentário, precisava me movimentar, praticar algum exercício. Só assim me sentiria melhor, como também encontraria ocupação para não pensar naquelas coisas que eu tanto pensava. Peguei uma revista nova que estava na cabeceira; li dois parágrafos, mas logo me desinteressei. Resolvi por um disco no aparelho de som. Eram aquelas músicas que eu não cansava de escutar, pois embora me tocassem lá no fundo me traziam qualquer coisa de conforto. Coloquei no repeat e voltei pra casa. Aqueles olhos entreabertos se regeneravam rapidamente. Ontem mesmo choravam como os de uma criança sem a mãe; Hoje carregavam uma superação ainda mal resolvida em seus reflexos, mas sempre fortes e com algo de otimista, sem mágoas. As letras em francês diziam a mesma coisa, mas nenhuma lágrima pendia. Por vezes, o peito apertava e o ar parecia faltar. E não, não era por causa do cigarro. Apesar dos excessos, eu só tinha vinte anos. Eu funcionava a pleno vapor, meus pulmões, meu fígado, meu coração... Por um momento pensei que a velhice tivesse chegado, quando acreditei que não surgiria novo amor. Eu não conseguia amar; na verdade era só eu que é seletivo. Fiquei pensando nos acontecimentos que ainda me assombravam e um poema começava a se esboçar na minha mente. Mas tinha preguiça, não tinha coragem de me levantar e escrever aquelas loucuras silenciosas que na verdade eu gostaria de gritar em sua cara. Li um texto de uma amiga, e ele se parecia muito comigo... A moça na separação abaixara o rosto para evitar os olhos, fizera uma expressão com a boca e disse: tudo bem. Era bem eu, isso. Meus sentimentos se reuniam e ainda havia esperança. Mas naquele momento, eu só queria o silêncio e o escuro do meu quarto. Quem sabe amanhã? Estiquei-me todo e peguei uma caneta e uma folha de ofício que repousavam também na cabeceira. Aos poucos o atrito da caneta com a brancura do papel foi tomando sentido, bem como todos os meus sentimentos:



“Faz tempo que não telefonas
Com saudades de minha paz,
Te convidando a participar
Do meu viver, do meu amar,
Como dias atrás.

Faz tempo que não me procuras,
Que não me aturas, que não me escutas,
Como era habitual para mim na época
Em que para ti minha voz e minha pele eram festa,
Alento. Faz tempo.

Faz tempo que não caminhas
Em direção às nossas lembranças, a mim,
Que tua vida, não mais a expões,
E que ela já não crê, enfim,
No amor, no prazer que uniu nossos corações.

Faz tempo que teu beijo ou teu cheiro
Não vem me visitar,
Faz tempo que tua mão
Não vem se encontrar
Com a minha
Como antes vinha,
Pôr sentimento em minha emoção.

Faz tempo que teus olhos
Não brilham mais como antes
Tornando os meus também brilhantes
Faz tanto tempo, parecia,
Faz só alguns dias...

Faz alguns dias que não és mais quem tu eras,
Mas para mim, me parece tanto tempo...
Encarando o firmamento,
Lamento por teus olhos que não vêem mais
– meu hábito te sujou os olhos.
E se hoje ainda choro,
É por minha culpa:

Meu carinho foi em excesso;
Minha bondade, frágil demais;
E o que julguei estar certo
Não passava de ilusão,
De uma dor.
Se hoje tu não me amas mais,
Não precisa haver perdão,
É assim que eu pago por sentir tanto amor.”

segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

Pedido à vida

Dentre as todas as coisas que existem no mundo e as que machucam, as que mais nos doem são aquelas que não existem. O vento mais gelado é aquele que sopra de nossa solidão; o fogo que mais nos consome é aquele que arde por dentro, no âmago do coração. O beijo que mais faz falta é o nunca dado; a espera mais dolorida é aquela que nunca virá; o barulho mais ensurdecedor é o silêncio da alma, e a palavra mais dilaceradora é aquela nunca antes proferida, nunca antes pronunciada. O pior perfume é do inodoro; o pior gosto é do insípido. O olhar mais desejado é o daqueles olhos que se teimam em estarem cegos; a mentira mais arrebatadora é a mais sincera; a voz mais agressiva é a que se cala; a lágrima mais sofrida é a dos olhos secos, que não sabem chorar. A pior falta de ar é a dos que se sufocam com o próprio ar que nos alimenta; o toque que mais machuca é o tato recusado; a mão mais ameaçadora é aquela distante, que não se move; a pior dor é a que se não se sente, que se sofre sem doer, sozinho... O amor que mais dói é aquele que nunca se realizará. Somente o ser humano é capaz de dar origem a criações que nunca se concretizarão num mundo onde a realização pode florescer fácil em qualquer solo - pois entre as flores também há o mato, que invade os jardins e os campos. Ilusão se ergue do nada, como também do nada surge o tudo. Quando desmoronar a vista estará clara e minha testa calma. É quando perguntarei: como evitar novamente? Ficarei mudo, sem resposta. Mutilar-se é o único modo de se matar o que não existe - pouco a pouco, bem como o que existe. A ilusão é uma morte que se morre aos poucos, até que a maior delas se desfaça junto ao nossos ossos. É dentre as coisas mais lindas que existem e as mais tristes, as mais belas são justamente aquelas que se sustentam na existência e as mais tristes são as que não existem, que deixaram de existir e que nunca existirão. E o mais triste de tudo não é a desistência de viver ou a renegação da vida. É que viver e existir são sempre tão certos, sempre tão bonitos, sempre tão sinceros. E me dá muita pena não viver e não poder ver o que existe, não existir e não poder ver o que é viver, até deixar de viver e ver o que não pude ser vivido e existido. No entanto, vivo, ainda que triste, pois tenho um mundo para ver - e viver. Vida, deixa-me viver; ainda que eu esteja existindo certo de que algumas das coisas que pra mim são tão mais lindas que todas as outras no mundo não virão a existir jamais e eu não virei a vivê-las mais uma vez.