segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

Pedido à vida

Dentre as todas as coisas que existem no mundo e as que machucam, as que mais nos doem são aquelas que não existem. O vento mais gelado é aquele que sopra de nossa solidão; o fogo que mais nos consome é aquele que arde por dentro, no âmago do coração. O beijo que mais faz falta é o nunca dado; a espera mais dolorida é aquela que nunca virá; o barulho mais ensurdecedor é o silêncio da alma, e a palavra mais dilaceradora é aquela nunca antes proferida, nunca antes pronunciada. O pior perfume é do inodoro; o pior gosto é do insípido. O olhar mais desejado é o daqueles olhos que se teimam em estarem cegos; a mentira mais arrebatadora é a mais sincera; a voz mais agressiva é a que se cala; a lágrima mais sofrida é a dos olhos secos, que não sabem chorar. A pior falta de ar é a dos que se sufocam com o próprio ar que nos alimenta; o toque que mais machuca é o tato recusado; a mão mais ameaçadora é aquela distante, que não se move; a pior dor é a que se não se sente, que se sofre sem doer, sozinho... O amor que mais dói é aquele que nunca se realizará. Somente o ser humano é capaz de dar origem a criações que nunca se concretizarão num mundo onde a realização pode florescer fácil em qualquer solo - pois entre as flores também há o mato, que invade os jardins e os campos. Ilusão se ergue do nada, como também do nada surge o tudo. Quando desmoronar a vista estará clara e minha testa calma. É quando perguntarei: como evitar novamente? Ficarei mudo, sem resposta. Mutilar-se é o único modo de se matar o que não existe - pouco a pouco, bem como o que existe. A ilusão é uma morte que se morre aos poucos, até que a maior delas se desfaça junto ao nossos ossos. É dentre as coisas mais lindas que existem e as mais tristes, as mais belas são justamente aquelas que se sustentam na existência e as mais tristes são as que não existem, que deixaram de existir e que nunca existirão. E o mais triste de tudo não é a desistência de viver ou a renegação da vida. É que viver e existir são sempre tão certos, sempre tão bonitos, sempre tão sinceros. E me dá muita pena não viver e não poder ver o que existe, não existir e não poder ver o que é viver, até deixar de viver e ver o que não pude ser vivido e existido. No entanto, vivo, ainda que triste, pois tenho um mundo para ver - e viver. Vida, deixa-me viver; ainda que eu esteja existindo certo de que algumas das coisas que pra mim são tão mais lindas que todas as outras no mundo não virão a existir jamais e eu não virei a vivê-las mais uma vez.

Um comentário:

Thaíse disse...

O texto é enorme! ernormemente lindo!Eu fico pasma admirando o jeito com que tu dispõe as palavras e constrói o sentimento.

Eu poderia pensar exatamente igual a garota, na maioria das coisas, mas não conseguiria agir igual...

beijo :**